O Brasil é a grande estrela mundial do SL… não é?

Existe muita notícia e conversas a respeito de quão sensacional e maravilhoso é o cenário do software livre no Brasil, quão forte e ampla é nossa comunidade e o quanto o governo se esforça para migrar para software livre e incentivar a comunidade. Minha pergunta sempre foi: que comunidade, cara pálida?

Minha primeira esperança foi quando eu vi o artigo no Linux.com sobre a imagem de grande baluarte do movimento FOSS em risco no Brasil(cobertura em portugues no BR-Linux). Neste artigo, vários desenvolvedores, por coincidência todos Debian Developers como Kov, Otavio e Gustavo Franco contaram para o mundo coisas que muita gente não quer admitir. Eu achei que infelizmente o artigo não ganhou suficiente atenção, mas pelo menos era um começo, e desta vez nem era eu reclamando! Muito bom ver que eu não sou a única a achar ruim. Mas o pior mesmo é ver gente que está estragando um trabalho construído por anos, utilizando o artigo como se não tivesse nada a ver com isto.

Pois bem, hoje eu encontrei um novo site: Linux in Brazil, análises sobre FOSS, notícias, tendências e fatos na America Latina, apresentadas pelo BR-Linux. Este Linux in Brazil é uma versão em inglês do BR-Linux, um site que existe há mais de 10 anos. O BR-Linux é referencia oficial para notícias sobre software livre e de código aberto no Brasil, e não apenas contando a notícia, como também comentando e analisando a história por trás da notícia. Não apenas copiando e colando, mas com várias análises detalhadas e comentários. Então se você tem amigos que falam inglês, divulgue!

Na minha opinião, Software Livre no Brasil virou uma grande confusão de política, discursos, bravatas, “celebridades” posando para fotos em grandes anúncios de projetos fantásticos que eles vão realizar – mas eles nunca o fazem. Ah, mas todo mundo sabe o que é software livre agora… e? Nós temos esforços quase inexistentes para apoiar desenvolvedores, e na maioria feitos por empresas. As iniciativas de treinamento, ajuda e motivação para novos desenvolvedores eu vejo partirem da própria comunidade! Enquanto isto, eu vejo um monte de programas ganhando muito dinheiro – que sai do meu e do seu bolso – para projetos que não apresentam nenhum resultado, só um monte de hype em torno de “mídia, cultura, políticas”e até mesmo “sementes livres” – de verdade. Eles dizem “mas é obvio que nos importamos com a comunidade, eles são uma peça fundamental! Nós até deixamos eles pagarem para ir nos eventos onde vamos dar a eles acesso wireless de graça!”

Esta grande bolha começou alguns anos atrás, quando alguns políticos viram no SL uma chance de conseguir fama instantânea. Mas eles são políticos, e a comunidade é a comunidade, mundos completamente paralelos e anos luz distantes um do outro. Como políticos, eles amam serem conhecidos e reconhecidos como líderes, mas sabe de uma coisa? Isto aqui é uma meritocracia, você não pode chegar do nada aqui e querer me dizer o que eu devo ou não fazer. Então, depois de tentarem sem sucesso se tornarem líderes aclamados da comunidade já estabelecida, baluartes da verdade e da luz e do caminho – grande surpresa, pessoas inteligentes que não compram papo furado! – eles tiveram a grande idéia de se juntarem em seus próprios grupos para poder falar e criar seu próprio vaporware. Teve gente se auto proclamando embaixador do Software Livre no Brasil! Você pode acompanhar estas listas onde as palavras hackers, social, liberdade, livre, políticas, agentes, atores, pesso@s, sinergia, ecossistema e outras do tipo são repetidas à exaustão. Tipo, dá pra fazer um bot para gerar estes mails e artigos. E alguém fez isto! O Gerador Lero Lero é um script que cria um artigo baseado em buzzwords aleatóriamente.. Certa vez, alguém jogou um texto destes em uma destas listas, e as pessoas começaram a comentar como o texto era muito denso… Na Desciclopedia existe a definição de SL, onde diz que os principais objetivos da comunidade do SL é:

A comunidade passa o dia repetindo palavras como ‘comunidade’, ‘software livre’, ‘a cena do software livre nacional’, ‘windows é do demônio’ repetidamente, repetindo-as durante todo o dia, e repetindo no dia seguinte. Seja isso por email ou em grandes congressos onde podem ouvir essas palavras de palestrantes e continuar repetindo nos corredores.

A maioria tem Windows (piratão) instalado na mesma maquina ou usam BLOBs binarios de algum tipo.

Organizam-se em algum tipo de entidade com vários níveis hierárquicos com nomes de todo o tipo e aplicam a maior parte do tempo possível resolvendo os problemas reais como:

  • logotipo da organização,
  • próximo presidente,
  • qual a melhor distribuição,
  • qual a distribução mais livre,
  • quando vai ser o próximo encontro,
  • como trazer o Maddog pro próximo encontro e
  • qual a cor da camiseta nova.

Houve também posts espontâneos convocando a galera para jogar o bingo do FISL, tentando adivinhar o que ia acontecer denovo na próxima edição. Sugestões foram:

  • Abertura com “presença virtual” (nome chique pra um vídeo gravado antes) de alguma personalidade política que não entende muito bem o que é esse tal de software livre, mas sabe que é aquele negócio daquele menino bem amigo do Zé e daquela empresa do interiorr..
  • Aquela mesa redonda sobre mulheres e computação, que discute o aborto, a creche, a pílula e o destino dos recursos de telecentro. (comentário: eu juro que não tenho nada a ver com isto! Eu só tinha esperança que um dia elas falassem sério!)
  • Vários estandes de autarquias e estatais muito bonitos mas com pouca ou nenhuma exposição de soluções livres no seu interior, e alguns desertos também de equipe, a partir de um certo momento mágico na sexta-feira.
  • Gente convencida (talvez com razão) de que em muitos momentos aproveita muito mais o evento trocando idéias nos barraquinhos do que assistindo às palestras ou ouvindo discurso nos palanques e estandes. (comentário: um espaço onde 36 grupos de usuário com quatro pessoas cada aboletam-se em um espaço de uns 150m2, junto com as pessoas que querem conversar com eles)
  • Gente fazendo piada com a grande comédia do ano passado, e perguntando para as “celebridades” presentes o preço do autógrafo e da foto.

Bom, pelo menos agora temos um veículo de comunicação que confiamos para contar para o mundo como as coisas vão caminhando de verdade por aqui. O Brasil poderia ser uma imensa força tarefa contribuindo para o SL. Poderíamos ser exemplo e ajudar outros países com o processo que passamos. Eu ainda acho que a gente pode fazer, como sempre fizemos. Este texto foi escrito pelo Aurélio três anos atras, quando fizemos uma mesa de discussão a respeito disto.

Software Livre: Desenvolvedores e os outros
Muito antes da onda recente de politização do Software Livre, inclusão digital, liberdade tecnológica, ONGs digitais, certificação em Linux, representantes oficiais, porta-vozes da comunidade, paladinos, comitês, movimentos e comissões parlamentares, os desenvolvedores já estavam lá, sentados e produzindo códigos.

Muito antes do Software Livre ser sexy e estar na moda, virar buzzword, aparecer na mídia, virar bandeira política, ganhar revistas especializadas, sites, fórums e listas de discussão, os desenvolvedores já estavam lá, sentados e produzindo códigos.

Muito antes das intermináveis discussões de qual a melhor distro, da fragmentação de comunidades, das ofensas pessoais em canais públicos, da batalha de egos, das brigas internas de um mesmo time e da crítica gratuita, os desenvolvedores já estavam lá, sentados e produzindo códigos.

O mundo vai continuar girando e o sol vai nascer todos os dias, assim como continuarão os ruídos, as brigas e as modas. Enquanto isso, aqueles que fazem, continuarão fazendo.

Relendo meus comentários daquela época, retifico: temos que parar de acreditar nas promessas de todo e qualquer político. Quer meu apoio? Me mostra coisas feitas, não promessas. Eles não nos defenderam, não migraram, não mostraram números, e quando a coisa começou a feder, sumiram.

Eu não sou desenvolvedora, a não ser se você contar alguns patches ignorados. Mas quando eu comecei nisto, nossos ídolos eram Linus, Patrick e Ian, pessoas que faziam coisas fantásticas, como nós queriamos fazer. Eu acho que os desenvolvedores são o core de tudo, e eu tento ajudar como posso, como documentação, tradução, treinamento e ajudando pessoas a resolverem problemas. Então é claro que eu acho que estas tarefas são importantes também. E lógico, o Linuxchix 🙂 E eu até acho que precisamos sim falar de filosofia e conceitos de Software Livre, liberdade e ética. Talvez devessemos falar um pouco mais sobre ética… Mas quando você tem mais pessoas falando do que realmente fazendo alguma coisa, tem algo muito errado. O mundo não foi feito com palavras.

Advertisement

5 thoughts on “O Brasil é a grande estrela mundial do SL… não é?

  1. Parabéns! Me diverti muito lendo o seu texto. É realmente interessante lê-lo e já de cara encontrar figurinhas (Será que as mesmas que pensou? não
    importa tanto) que se encaixam perfeitamente.

    Realmente as coisas neste país tem que mudar…
    lembrei da reunião dos grupos de usuários em 2003, onde algumas pessoas tentaram manipulação em uma iniciativa que ficou conhecida como “a coisa”.

    Bjos.

  2. software livre no brasil eh bem mais discutido que no exterior.. a dificuldade de gerar codigo eh grande, eu mesmo criei jah alguns projetos com a maior empolgaçao e alguns voluntarios.. e depois acabei consumido pelo tempo, pela vida e pela esculhambaçao nacional…

    mas acho que despejar no SL a frustraçao toda eh o mesmo que brigar em estadio de futebol.. eh apenas um sintoma de uma doença incuravel chamada esperança…

  3. O brasileiro de modo geral tem um sério problema com a meritocracia, talves porque sempre vivemos acostumados com estados totalitários que bancavam nosso “pai”, vivendo de nossos esforços.
    Uma forma rápida de identificar um “boi” no meio dos gnus: “Quem mugir mais alto é boi” 🙂

  4. Christiano, diz a lenda que tem uma maneira fácil de achar: põe um palanque no meio do FISL. Ou melhor, nem precisa tanto, basta um banquinho. Vai ter gente se estapeando para subir.

    Um comentário do Piter PUNK há três anos atrás no FISL: “Caramba! Foi só acender a luz da câmera (um programa de TV estava lá para entrevistar os nerds) e o cara saiu correndo lá da casa do ca***** para vir para cá!”

Leave a Reply

Fill in your details below or click an icon to log in:

WordPress.com Logo

You are commenting using your WordPress.com account. Log Out /  Change )

Facebook photo

You are commenting using your Facebook account. Log Out /  Change )

Connecting to %s