Tenho viajado bastante e participado de eventos em lugares e culturas muito diversos. Gosto muito de observar e aprender como funciona cada comunidade, e por conseqüência, compartilho também minhas impressões com pessoas que tem as mesmas oportunidades. Acredito que assim como pessoas, gerações e culturas, a comunidade FOSS também vai crescendo e mudando. Acabei pensando numa comparação simples para mostrar este crescimento, e como diferentes partes do mundo estão posicionadas neste ambiente. É como se alguns lugares estivessem passado por alguns estágios que outros estão passando agora. Isto não quer dizer que todos passaram para outros estágios da mesma forma, nem que isto seja uma métrica rígida e comprovada científicamente, apenas baseada em observações e informações trocadas.
Alguns lugares estão mais maduros, outros estão nas primeiras fases
Na primeira fase, inicia-se criando o trabalho de base, promovendo os conceitos de software livre e código aberto, e cria-se a comunidade que vai dar sustentação para as próximas fases. A predominância no debate fica por conta das questões filosóficas. Neste momento parte basicamente da comunidade o trabalho de convencimento, evangelização e divulgação.
Muitas respostas a perguntas como:
- “Deve ser um lixo, pra ser de graça”…
E lá vai a comunidade começando, mesmo os que usam Linux “desde o SLS/Slackware 2/versão 0.9 do kernel”, mas que faziam um trabalho mais de mestre dos magos que de propagadores. Estão engatinhando. India, China, e a maioria dos países da America Latina se encontram ainda crescendo, agregando comunidade, porém sem resultados significativos e concretos. O potencial é imenso, mas ainda falta estabelecerem-se.
A segunda fase começa quando se começa a falar em sustentabilidade. Na fase 1, poucas empresas tentam convencer mais empresas de que o futuro é aberto, que o desenvolvimento é mais rápido e barato, que a comunidade é uma grande e valiosa força tarefa. Que os custos são menores e o Retorno de Investimento é rápido. Na fase seguinte, outras empresas começam a acreditar nisto. Mais e mais pessoas começam a realizar o sonho de ter seu emprego baseado em fazer ou prestar suporte em código aberto. Começam os investimentos, os casos de sucesso estão mais numerosos. Mais gente não ligada a área começa a saber que Linux é alguma coisa de ligada a computador. As dificuldades ainda são grandes, mas os passos são mais firmes.
Acredito que o Brasil esteja nesta fase. O mercado dito corporativo tem demonstrado interesse – pedir entusiasmo deste mercado no Brasil seria demais – as comunidades conseguem se unir sem batalhas eternas e sangrentas, e o governo dá sinais de que avalia melhor suas promessas e planeja melhor suas ações. Nada mais de migrar o mundo em 80 dias, nem de que tudo está pronto e basta apenas ter boa vontade: é necessário trabalho sério e profissional, e isto requer também investimento, seja de tempo ou dinheiro.
Na terceira fase, os números são impressionantes. Investe-se bastante, economiza-se muito e inova-se. O número de desenvolvedores é entusiasmante, assim como a demanda e o tipo de trabalho que eles recebem. Novas tecnologias são desenvolvidas, novas soluções. Fala-se já em volume de negócios, em previsão de crescimento e adoção. A Europa em geral parece estar neste ponto. A França por exemplo reporta que o governo, exclusivamente com projetos open source, gastou 200 milhões de euros, irmanamente divididos entre grandes e pequenas empresas. A adoção do Firefox passa dos 40% em países como a Finlândia e Eslovênia, seguido de perto da Alemanha. Os exemplos são vários.
E qual seria a fase seguinte, já que na fase três estamos estabelecidos? Curiosamente, para mim a fase quatro se passa quando não apenas as empresas dedicadas a produzir e suportar código aberto são viáveis e rentáveis, mas também geram um novo tipo de empresas. Nos Estados Unidos, existem companhias como a OpenLogic, especializada em prestar consultoria para outras empresas que desejam abrir seu software: que licenças usar, como se posicionar no mercado, como interagir e até criar uma comunidade ao redor dos seus produtos. Isto para mim foi sobremaneira surpreendente, afinal comunidade sempre pareceu ser um mal necessário as empresas, agora elas estão investindo em ter uma boa relação!
Assegurando a continuidade das comunidades
Então está nos Estados Unidos o maior avanço que temos? Acredito que não. Uma das primeiras conferências que participei ali este ano foi a Open Source Business Conference, onde o que mais se ouvia e lia no programa não deixaria a desejar à nenhuma lista de buzzwords. O que me impressionou foi que na maioria das palestras, principalmente nas keynotes, foi a mensagem, direta ou indireta:
apropriar-se do código do seu concorrente sem contribuir vai matar seu próprio negócio.
Palestras mostrando como é o modelo de negócios baseado em código aberto, quem cuida das licenças, porque você deveria se preocupar em devolver trabalho ao ecossistema. Espere, isto não estava claro? Aparentemente não. Durante a Open Source Conference, OSCON, uma das mais maiores e mais conhecidas conferencias mundiais, a mensagem era ligeiramente diferente mas com o mesmo propósito:
Estão sendo criados produtos e serviços baseados em software aberto que não são abertos. Está se criando uma cultura que basta colar um carimbo “Eu amo FOSS” e tudo se resolve. Não é assim. Sem realimentação, a fonte seca. Parasitar seu concorrente é um tiro no seu próprio pé.
Comunidades devem ser controladas por … comunidade. Assim que a fase um torna-se essencial, para o crescimento sustentável. Pode-se até comprar uma comunidade, mas isto não garante a sobrevivência dela, muito pelo contrário. Existem regras, que variam de comunidade a comunidade, mas que possuem dinâmicas muito parecidas: liberdade de ação, anarquia ou uma liderança muito fracamente exercida, influência direta dos envolvidos nos rumos do projeto. Sem isto, será dinheiro investido a toa.
E você, o que acha?
Artigo publicado na Linux Magazine Brasil de Fev/08. English version here.