Feliz aniversário pra mim

Eu me lembro de andar por São Paulo de coração partido. Eu não lembro direito por quem, só da sensação de vagar a esmo, da diferença entre pressa da cidade e do devagar que batia meu coração.

Eu lembro de andar por São Paulo me achando poderosa. Alguma descoberta na terapia, alguma situação que eu respondi como queria na hora que queria e consegui o que queria. Eu não lembro da situação em específico, mas lembro da diferença entre estar plenamente presente e da cidade que fugia de tudo ao meu redor.

Eu lembrei hoje que meu primeiro coração partido foi curtido a seco, careta. Na época doeu pra caralho, demorou um ano pra passar (e eu achando que não passaria nunca), e eu era muito nova pra beber, nem tinha dinheiro, nem gostava de cerveja. Acho que por isso demorou tanto, nada como uma baita ressaca pra colocar as coisas em perspectiva e superar um pé na bunda.

Eu lembro do inicio da terapia. “Ou algum professional me ajuda, ou eu me jogo desta janela”. Do oitavo andar, no caso. Era literalmente tudo ou nada. Só parei de chorar nas sessões um mês depois.

Eu lembro de ter uns 16 anos e pensar “mas é isto que é a vida? Levantar, trabalhar, dormir, esperar o fim de semana, repetir?” Depois de muito pensar, cheguei a conclusão de que para mim, o único sentido seria deixar o mundo melhor do que encontrei. Como, eu ainda não sei.

Eu lembro de ter 12 anos e pensar “nossa, no ano 2000 eu vou ter 24 anos, provavelmente vou estar casada e com dois filhos, que coroa vou estar”. Sabe de nada, inocente.

Eu lembro de pensar que íamos mudar o mundo. Que nossa missão era revolucionária, mesmo que virtual. Que todos queríamos um mundo melhor. Sabe de nada, inocente. Eu lembro de dizer “mas se eu parar, vai acabar”. E minha terapeuta me dizer “e?”

Eu lembro das primeiras vezes que pensei em suícidio. Antes dos 10 anos. Eu lembro de experimentar talco antisséptico, quiboa. Muito ruins.

Eu lembro das Maldivas. Mais especificamente, da primeira noite. De deitar na rede olhando pro céu, ouvindo as ondas, como sempre sonhei mas nunca imaginei. Ali, acontecendo, e eu presente. Sem pensar em amanhã, sem pensar em talvez, sem pensar em ontem. Ali, ouvindo as ondas do mar.

Lembro do botão que alguém ligou quando eu pari. A gravidez eu assisti como se estivesse fora do meu corpo. Mas ali, quando colocaram aquele bebê com pele de veludo no peito, era como se eu tivesse feito isso a vida inteira.

Lembro de chorar a primeira noite porque um dia ele ia crescer e deixar de ser meu bebê. Mas olhando pra trás, eu continuo aqui, presente, vendo cada fase. Vendo como o mundo se transforma pra ele. Do primeiro “abre” ao novo “kaputt”. Do primeiro carinho no dedo ao abraço ao redor do pescoço.

Lembrei também hoje do primeiro comentário em um blog que não existe mais. Dos mails. Da cantada, minha. Da sensação de estar assistindo tudo fora do corpo. De como éramos jovens, e só de usar esta palavra me sinto mais velha. As vezes pensava se era só meu cabelo vermelho. Mas aquele já desbotou há anos, e você continua aqui.

40 anos. Em um país tão longe de onde eu comecei. Uma bolha tão perfeita que me dá ansiedade por se algo vai furar. Será que algum dia serei capaz de levar uma conversa em alemão?

Lembro tanto de coisas antigas. E sei onde estou agora mesmo. O meio ficou borrado, misturado. Tanta gente em volta, tão poucos perto. E agora nos espalhamos pelo mundo. Como seria se nos teleportássemos todos pra minha sala agora? Seguiriamos todos falando de tudo e de todos? As mesmas marguaritas da última festa renderiam as mesmas conversas que eu tanto sinto saudades?

Pra não passar em branco, uma tacinha de cava. Pelos meus amigos. Pela minha nova família. Pela minha vida. Pelos próximos 40.

Feliz aniversário pra mim.

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