Assunto velho, realmente, mas só vi o tão falado filme Tropa de Elite ontem, quando passou na TV a cabo. Eu não assisti enquanto estava nos cinemas, e nem sei se já está disponível em DVD… ah, está sim. Na época pensei procurar na internet, mas vi uma entrevista do Wagner Moura*(cujo nome do meio é Maniçoba, ao que parece) onde ele demonstrava seu desagrado por isto, então por respeito a ele esperei que saíssem em DVD ou na Tv. E assisti ontem.
É um filme pesado, daqueles que deveria fazer todo mundo pensar. Porém, como um reflexo da nossa péssima educação, o povo não sabe interpretar textos, não passa além da linha 2. A discussão toda que vi depois do filme era ou de apoio ao BOPE, personalizado no Capitão Nascimento, ou de crítica a polícia em geral. E eu achei que isto era resumir muito o filme, que na minha opinião queria jogar na cara de todo mundo que todo mundo tem culpa nesta baderna generalizada chamada Brasil.
Os que celebram o Capitão Nascimento me parecem adeptos do “bandido bom é bandido morto”. Só que o filme retrata bem que ele é só uma peça em um grande quebra-cabeças. O quadro geral é formado por gente de classe média e/ou alta que compra drogas – e nem adianta vir com papo de legalizar a maconha, porque não é só de maconha que vive o tráfico – e depois se acha muito dono da verdade para criticar a polícia. Teve uma frase do Capitão Nascimento que eu até gostei: “a gente vem aqui consertar as merdas que vocês provocam.” Tem culpa também a polícia corrupta, os políticos que advogam em causa própria – do coronel ao deputado, do guarda que recebe suborno pra não multar ao presidente cujo churrasqueiro levava quase dois milhões de reais sem fonte identificada – eu sempre digo que eu só tenho um preconceito, que não é de raça, nem religião nem orientação sexual, é com político mesmo, pra mim nenhum presta e ponto. Roubar pouco, roubar muito, rouba mas faz, pra mim é tudo a mesma merda. Aprovação de 70%? Sei, e o coelhinho da Páscoa tá vindo aí.
Eu me distraio divagando, mas a questão é esta, a culpa é de todo mundo. A culpa é também do povo que vota nestes políticos por causa de cesta básica, bolsa esmola, promessa de cargo, ou quem promete mais. A culpa é minha, que ajudei a eleger o Lula no primeiro mandato. A culpa é da mídia, que está tão interessada em vender que apregoa que seu valor está atrelado à marca do jeans, do tênis, do relógio, do carro – então se o objetivo final é este, muitos não se importam com os meios para conseguir, afinal honestidade não está na moda. A culpa também é nossa por sermos covardes, porque tá aí uma coisa que tanto traficantes quanto a polícia de elite não são. Traficante sabe que vai morrer cedo. Uma vez eu li que a expectativa de vida de traficantes era de 30 anos. Acho que daí vem o pouco valor a vida humana: se ele sabe que está arriscando a própria vida e que vai morrer cedo, deve realmente dar pouco valor a dos outros, principalmente àqueles que não conhece. E os policiais, não só de elite, sabem que também podem não voltar para casa a noite, então antes os outros que ele – este até pode valorizar um pouco mais a própria vida, mas como geralmente é “mato ou morro”, valorizam pouco a de quem está do outro lado. E quem vier me contar que já foi parado injustamente e agressivamente por alguma blitz, por favor, pare de olhar pro próprio umbigo.
Mas a culpa também está nesta discriminação de quem é pobre ou favelado, da parte de quem se acha melhor porque simplesmente tem mais dinheiro. Eu já fui muito pobre, pobre pobre de ma ré de ci. De nascer e me criar em casa de madeira, de trabalhar de qualquer coisa, de balconista, vendedora de filtro de água, de recepcionista, até de domestica – que não durou nada nada, sou péssima nisto. Isto tudo antes de entrar para universidade – sem cursinho, o que foi uma surpresa até para mim, pois apesar de ser uma das melhores estudantes, meu colégio enfrentou mais de dois meses de greve quando eu fazia o terceirão. Isto já fazem 12 anos, e com muito trabalho, dedicação e deglutição de batráqueos, estou aqui. Hoje em dia posso pagar a faxineira para fazer o trabalho doméstico que eu detesto. E aí estes tempos li uma coisa que me fez pensar mais um pouco na parte que a culpa também era minha: você paga o que pode ou é justo a sua faxineira, ou também explora? Eu pagava o preço que todo mundo pagava, sem pensar muito. Mas como minha faxineira era realmente excelente, e eu confiava nela, dei um aumentinho, que não ia pesar para mim e faria alguma diferença para ela.
Por ter passado por todas estas esferas, me custa muito entender esta coisa de gente que se acha melhor do que os que tem menos dinheiro simplesmente por isto. Claro, existe sim muita gente que é pobre porque não quer trabalhar, não quer estudar, não quer ter todo o trabalho de investir. Quem fez ou faz faculdade e trabalha sabe o perrengue que é, não tem tempo nem dinheiro pra nada, não é pra qualquer um estar ali quatro ou cinco anos. Universidade também é uma preparação para a vida, onde você não não tem tudo o que quer na hora em que quer, é uma prova de resistência. Eu por um lado fui afortunada por nascer em um estado onde as chances são maiores, apesar de público meu colégio de segundo grau era um bom colégio, apesar de federal a Universidade que eu prestei vestibular tinha um número de candidatos/vaga menor do que São Paulo, por exemplo. Porém ter chance não necessariamente significa que alguém vai se dar bem na vida, como muitos amigos de adolescência que preferiram outros caminhos, como muitos colegas de universidade que se duvidar ainda estão lá, como meus irmãos que ainda estão patinando na vida. Por isto que eu acredito que chance todo mundo tem, acredito mesmo. Só que nem todo mundo está disposto a pagar o preço para aproveitar estas chances. Quem quer arruma um jeito, quem não quer arruma uma desculpa.
No começo de fevereiro explodiu uma confusão na Paraisópolis, uma das maiores favelas de São Paulo, e uma das mais simbólicas por estar no meio do Morumbi. Comprei a Veja aquela semana, que vem com a Veja SP, e a capa era de assustar, um carro da tropa de Choque passando por cima de alguma barreira pegando fogo. Porém a matéria me surpreendeu. O enfoque da matéria, apesar da capa, era mostrar que existem outras realidades ali dentro da favela. Das 80mil pessoas que moram ali, 78% delas tem emprego fixo ali mesmo no Morumbi. A loja das Casas Bahia ali dentro fatura 1 milhão de reais por mês, contra 700 mil de pontos como do shopping West Plaza. Um dos hospitais mais famosos do Brasil, o Albert Einstein tem programa de voluntários que no ano passado realizou 300mil atendimentos, onde “são recebidos em um complexo de 4 500 metros quadrados, com ambulatório médico, salas de fisioterapia e fonoaudiologia, biblioteca, brinquedoteca, auditório e quadra poliesportiva”. Recomendo a leitura da matéria.
É claro que existe bandidos nas favelas, mas existem também nos condomínios. É claro que São Paulo também tem tiroteio, chacina, roubos, assim como no Rio e em todo lugar. Mas assim como a culpa desta zona toda é dividida por todo mundo, a responsabilidade pode ser também. E aí fica só um pouco para cada um fazer.
*Alias, este parece um dos casos que o talento de um ator vira maldição para ele. Ele fez o papel tão bem que ganhou a simpatia de boa parte do público. Eu confesso que sempre gostei de vilões, não sei muito bem porque. Talvez porque os vilões retratem o lado sombrio que todos nós temos, porém a maioria não aceita e não admite. Talvez porque os vilões que eu admire tem sua história contada. Eu me emocionei com as lágrimas de Anakin matando geral para matar também seu lado bom e ir para o lado negro da força, esperando poder salvar sua amada. Eu concordo com a ovação para o Joker de Heath Ledger, provocando o caos e testando os limites de todos(além do que aquela cena dele saindo do hospital vestido de enfermeira, parando para ver porque o ultimo prédio ainda não explodiu é simplesmente genial). Então eu confesso a minha simpatia ao Capitão Nascimento, mas como vilão. O próprioWagner Moura não concorda com nada do Capitão Nascimento, e se nota a frustração dele pela simpatia do público. Simpatia esta que surgiu provavelmente da falta de heróis, da falta de perspectiva, da vontade de vingança. Porém pense, um herói que manda matar alguém que não tinha nada que ver com a história e ainda diz “bota na conta do Papa”, não é bem um herói né…